A doença celíaca é uma reação autoimune exagerada do organismo ao entrar em contato com o glúten – uma proteína encontrada em vários tipos de alimentos, sobretudo os feitos com trigo, centeio, cevada ou malte. Ao comê-los, ocasionam lesões no intestino e estômago que, nem sempre, são percebidas. Devido à gravidade da condição, quem é diagnosticado precisa mudar drasticamente os hábitos alimentares e até o estilo de vida.
A principal companheira na vida de Luiza Anginhoni, de 10 anos, é a marmita. Nas festinhas de aniversário, na casa das amigas e na escola, os alimentos e até os utensílios usados na alimentação são especiais. A mãe, Evary, compadece-se pela situação, mas dá graças a Deus que, no caso da filha, os sintomas apareceram: a barriga inchada, a diarreia e a anemia fizeram com que o diagnóstico viesse no primeiro ano de idade – muito mais cedo do que a maioria.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 1% da população mundial tem a doença, sendo que, no Brasil, não há estatística sobre o número de vítimas. ¹
Sintomas da doença celíaca
Existem cerca de 200 sintomas associados à doença celíaca. Os mais clássicos, segundo a gastroenterologista Doutora Danielle Kiatkoski, são: dor abdominal, diarreia e distensão.
Também, são sintomas da doença celíaca:
- Flatulência;
- Fraqueza;
- Perda de cabelo;
- Diminuição do apetite;
- Lesões de pele;
- Déficit de crescimento, no caso de crianças;
- Barriga estufada;
- Perda de peso;
- Ânsia de vômito;
- Perda de massa muscular (braços e pernas finas);
- Irritabilidade;
- Queda de cabelo.
A médica ainda explica que há a versão atípica, que pode apresentar infertilidade, baixa estatura ou dificuldade para ganhar peso. Nestes casos, o diagnóstico é mais difícil e, nem sempre, os sintomas são facilmente detectados.
Diagnóstico: como saber se tenho doença celíaca?
A doença celíaca é diagnosticada com exames de sangue, para dosagem dos anticorpos específicos da doença celíaca. Mas, sozinho pode não ser o suficiente, por isso, há casos em que será solicitado endoscopia, para a biópsia do intestino delgado.
A comunidade médica aposta na informação, a fim de facilitar o diagnóstico, já que os sintomas brandos acabam sendo relegados pelos pacientes. Uma estimativa feita pelo Laboratório de Gastroenterologia Clínica e Experimental da USP mostra que cerca de 20% dos celíacos têm sintomas extremos. ²
Quando não são os sintomas que levam a pessoa ao médico, é um parente que acaba alertando. A Dra. Kiatkoski explica que, por tratar-se de uma doença genética, recomenda-se que todos os familiares façam o rastreio genético, com o intuito de conferir se têm (ou não) a doença. Nessa hora, alguns descobrem que a possuem, mesmo sem apresentar sintoma algum.
O diagnóstico costuma acontecer, sobretudo, em crianças de dois a três anos. No entanto, por conta do rastreio genético, atualmente é mais comum diagnosticá-la em adultos. A doutora comenta que, antigamente, até se acreditava que era uma doença somente de crianças.
Na experiência de tratamentos da Dra Kiatkoski, é comum tentar tratar os sintomas com remédios para má digestão, desconforto intestinal e diarreia. O que acontece é que a criança não melhora e a barriga continua inchada. Só então que é considerada a possibilidade da doença celíaca.
Diferenças entre intolerância ao glúten, doença celíaca e alergia
É comum encontrar definições confusas sobre o que é a doença celíaca. Algumas fontes até a definem como um tipo de intolerância ou alergia. No entanto, a Dra. Kiatkoski – bem como demais fontes e artigos sobre a doença – esclarecem que nada tem uma coisa a ver com a outra.
A condição celíaca é uma doença autoimune e genética, desencadeada pelo não reconhecimento do glúten. No caso da alergia ou intolerância, o medidor é diferente, já que o corpo aceita a substância em alguma medida.
Como acontece a doença celíaca
O corpo de uma pessoa celíaca não consegue quebrar ou absorver o glúten, porque lhe falta uma enzima responsável para isso. A proteína não processada se acumula no estômago e gera um alerta para o sistema imune, que passa a atacar as moléculas, ocasionando lesões no intestino. Estas podem evoluir para infecções gastrointestinais e dificultar a absorção correta de outros nutrientes.
Não há nenhum fator de risco ainda conhecido pela ciência, de modo que a pessoa portadora do gene celíaco pode, a qualquer momento, desencadear o processo autoimune, à medida que passa a ter contato com a proteína.
Pode levar à morte?
O primeiro levantamento global da doença, coordenado pelo epidemiologista Peter Byass, da Universidade de Umea/Suécia, estimou que a condição mata cerca de 42 mil crianças todos os anos, no mundo. No Brasil, a estimativa é de 200 mortes ao ano. Já falamos aqui sobre a doença celíaca em crianças.
Tratamentos
Todos os anos, até então, correm boatos de que, assim como há remédios para intolerantes a lactose, há medicamentos que ajudam a digerir o glúten. No entanto, não medicações específicas para a doença.
A principal forma de tratamento é com mudanças drásticas na alimentação e, dependendo do caso, no estilo de vida. Quem é diagnosticado com o problema precisará cortar todos os alimentos que possuem glúten e todos os utensílios que possam ter sido contaminados.
Ao excluir o glúten do organismo, é necessário cerca de dois anos, em média, para que o intestino volte ao normal. A gastroenterologista explica que alguns demoram mais para conseguir voltar a absorver os nutrientes normalmente, mesmo após a adoção de uma dieta zero glúten. O principal problema é que o glúten, muitas vezes, está escondido nos alimentos.
A contaminação cruzada
A contaminação cruzada é o terror da vida dos celíacos, afinal, para tratar a doença, não basta cortar os alimentos que o contém, também deve-se ficar longe de tudo que possa ter sido contaminado com a substância, como contato com panelas, talheres, margarina que alguém usou para passar no pão e até a massinha infantil.
As famílias acabam sofrendo para conseguir adaptarem-se, de modo que acaba sendo muito comum que, dentro de casa, todo mundo adote o regime. Evary Elis, por exemplo, chegou a ter duas cozinhas em casa, mas o cansaço fez com que se tornasse mais fácil adaptar toda a família para a dieta. Ela conta que o problema é na hora da adaptação social, quando se sai do ambiente onde “tudo é para você”.
Como comer fora
Os celíacos têm cada vez mais possibilidade de adaptação, por conta da indústria, que reconheceu esta necessidade, em alguma medida. Índices levantados pela consultoria internacional Euromonitor mostram que o segmento de “glúten free” deve prosperar até 32% em 2020.³
Ainda assim, é preciso tomar muito cuidado, alerta a vice-presidente da Associação dos Celíacos do Brasil Paraná (Acelpar), Solange do Nascimento, pois há empresas que só se aproveitam do nicho de mercado colocando embalagens diferentes, por isso alerta para a possível contaminação com glúten nas fábricas.
Há várias iniciativas pelo Brasil que ajudam os celíacos a encontrarem restaurantes e estabelecimentos zero glúten, como a Acelbras (Associação dos Celíacos do Brasil) e os blogs especializados.
Em 2018, os estudantes do Rio Grande do Sul comemoraram o projeto de lei que incluiu um cardápio especial no plano alimentar das escolas estaduais, de forma que quem tem restrição alimentar não precisará sempre trazer a marmita de casa.
Apesar dos incentivos, Solange adverte que o custo ainda é uma restrição ao celíaco. Pesquisas avaliam que o preço chega a ser até 159% mais caro do que as versões tradicionais. A celíaca comenta que muitos têm que fazer o alimento em casa, por não conseguirem adquirir tudo pronto, assim, acaba-se tendo que aprender a cozinhar e mudar o estilo de vida para adaptar-se totalmente.
Alimentos que contêm glúten
A farinha e outros similares, ricos em glúten, são comumente usados para engrossar molhos, para melhorar a consistência de alimentos e para uma infinidade de outras tarefas culinárias. Alguns exemplos dos alimentos que podem conter glúten são:
- Pães;
- Torradas;
- Cereais;
- Hóstias;
- Molho branco;
- Sopas desidratadas;
- Cerveja;
- Pizza;
- Salgadinhos;
- Hambúrguer;
- Queijos;
- Ketchup;
- Maionese;
- Molho Shoyo;
- Salsicha;
- Temperos industrializados;
- Biscoitos e bolachas;
- Bolos;
- Massas em geral.
Confira também o texto sobre legumes e frutas para crianças.
Alimentos Permitidos
- Farinha de aipim;
- Creme de arroz;
- Fubá;
- Macarrão de arroz;
- Macarrão de milho;
- Macarrão de mandioca;
- Batata;
- Frutas e vegetais;
- Refrigerantes;
- Vinhos;
- Aguardentes;
- Leites integrais;
- Leite condensado;
- Creme de leite;
- Açúcar de cana;
- Mel;
- Melado;
- Geleias de fruta;
- Manteiga;
- Gordura vegetal;
- Feijão;
- Grão de bico.
Ler a embalagem é sempre uma questão crucial, sendo que há movimentos de celíacos em tramitação de lei para que as indústrias alimentícias sejam mais sérias e mais claras quanto aos ingredientes. Até então, é garantido pela lei nº 8.543, de 23 de dezembro de 1992 que se deve informar caso haja ou não glúten no alimento, logo abaixo dos componentes do produto.
Dieta para celíacos
Nutricionistas e gastroenterologistas alertam que tirar o glúten do prato nem sempre é o suficiente. Além disso, o que está rotulado como “glúten free” nem sempre é tão saudável quanto o que se prega o imaginário popular. Pesquisadores da Universidade de Hertfordshire analisaram mais de 1.700 produtos rotulados como “zero glúten” e concluíram que possuem mais gordura saturada, sal e açúcar do que as versões comuns. (4)
Por conta disso, a preferência dos celíacos é por cozinhar em casa, pois lá podem confiar naquilo que estão comendo. Recomenda-se que pré-diagnosticados façam um cardápio junto a um médico, para ter a certeza do que comer e como suplementar possíveis deficiências nutricionais.
Dieta sem glúten emagrece?
A dieta sem glúten nem sempre é sinônimo de emagrecimento e nem mesmo sinônimo de low carb. O que acontece, explica a Dra. Kiatkoski, é que celíacos – e quem se arrisca na dieta zero glúten – acabam comendo mais fibras e proteínas, que costumam ser alimentos menos calóricos do que os alimentos feitos com farinha, cevada e afins. Já falamos, aqui, sobre os perigos da dieta sem glúten.
Referências utilizadas neste conteúdo:
¹ CONSELHO NASCIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Novos conselheiros: falta diagnóstico da doença celíaca no Brasil. 2017 Disponível em <http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/noticias/2017/junho/novos-conselheiros-falta-diagnostico-correto-da-doenca-celiaca>
² SIPAHI. Aytan. Detecção e quantificação de glúten em alimentos industrializados por técnicas de ELISA. 2010. Disponível em < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5147/tde-24112010-164837/publico/RafaelPlazaSilva.pdf>
³ ESTADÃO. Marcas de produtos sem glúten a crescer até 200% por ano, no Brasil. Disponível em < https://emais.estadao.com.br/blogs/comida-de-verdade/marcas-de-produtos-sem-gluten-chegam-a-crescer-ate-200-por-ano-no-brasil/> 2017
4 BEM ESTAR. Produtos sem glúten têm mais gordura alúcar e aditivos do que os convencionais. Disponível em < https://g1.globo.com/bemestar/noticia/produtos-sem-gluten-tem-mais-gordura-acucar-e-aditivos-do-que-os-convencionais.ghtml> 2018
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